Na última semana de agosto, a CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) divulgou o resultado de uma pesquisa realizada junto à Offer Wise sobre importantes dados de consumo no Brasil durante a pandemia. Embora uma diminuição na renda média (para 46% do entrevistados) fosse prevista, ela vem acompanhada do aumento do consumo para cerca de 42% dos participantes. As causas variam entre pedidos de delivery, contas básicas e compras por impulso, 32% das quais realizadas por sites e lojas virtuais contra 12% por aplicativos. A preocupação, contudo, é a parcela de ações que podem advir dessas mudanças nos próximos meses, sobretudo aquelas que envolvam a cobrança e a negativação indevida.
Em 2019, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registrou aumento de 0,7% nas causas de Direito do Consumidor com pedido de indenização por danos morais, entre elas ações de negativação indevida. Em números absolutos, isso significa aumento de mais de 740 mil processos ajuizados, ultrapassando, assim, o número de causas de Direito Civil.
Tanto a negativação por inadimplência quanto a negativação indevida são graves problemas no cenário brasileiro. E ao mesmo tempo em que o número de consumidores com dívidas aumenta, também aumenta a responsabilidade das empresas pelo correto tratamento dos dados dos consumidores.
Cabe ressaltar que a negativação indevida é o cadastro de consumidor em sistemas de proteção ao crédito, como SPC e Serasa, e pode ocorrer por fraude, como na clonagem de cartão de crédito, ou erro na cobrança. Já o consumidor lesado pode ter direito a indenização por danos morais e restituição de valores eventualmente pagos.
Serviços que mais oferecem riscos ao consumidor
Por um lado, a pandemia de COVID-19 exigiu de muitos consumidores a adoção de hábitos online. Por outro, evidenciou a necessidade de cuidados nos meios virtuais. Estima-se, por exemplo, que haja mais de 3,6 milhões de cartões clonados anualmente. E diante do aumento de consumo virtual, surge uma preocupação a mais para consumidores: os riscos de cobrança e negativação indevida diante das falhas de segurança dos meios digitais.
Ainda que a cobrança decorrente de cartão de crédito clonado não seja culpa do consumidor, a recusa ao pagamento, quando não o desconhecimento da cobrança, pode levá-lo à inscrição em cadastro de inadimplentes. Assim, poderia gerar a ele também uma indenização por danos morais, diante do aspecto negativo que a inscrição acarreta. E embora outros prejuízos, como a recusa a créditos e financiamentos, contribuam para a majoração dos valores, a negativação indevida por si pode implicar nesse dever de indenizar.
Outros serviços que demandam a atenção dos consumidores são serviços de entretenimento em casa, entre os quais redes de streaming, além dos serviços de televisão a cabo, todos objetos de consumo na pandemia. A atenção exigida refere-se, então, ao valor das cobranças por pacotes e eventuais pedidos de cancelamento. Afinal, outro fator de negativação indevida é a cobrança por valores acima daqueles contratados ou de serviços já cancelados.
Por essa razão, o escritório Gustavo Ferrari Advocacia, especializado em causas de negativação indevida, recomenda que os consumidores sempre guardem os registros de contato com as empresas, já que estes podem ser utilizados como prova em futuras ações de natureza consumerista.
Por fim, outro ponto de atenção é o pagamento de dívidas. Em face da crise econômica e da diminuição da renda observada também pela pesquisa, houve mudanças no cadastro de inadimplentes e meios de pagamento das dívidas. Para aqueles que já pagaram os valores devidos, contudo, é necessário verificar se a empresa responsável procedeu à limpeza do nome, nos moldes do CDC.
É dever das empresas limpar o nome dos consumidores que realizam o pagamento em até 5 dias úteis a partir da notificação. Depois do prazo, configura-se negativação indevida, situação em que o consumidor poderá ser reparado, enfim, por danos morais.
Clonagem de WhatsApp e cobrança indevida por empresas de telefonia
Não apenas a clonagem de cartão de crédito tem aumentado nos últimos anos, mas também a clonagem de números por WhatsApp. Dos entrevistados na pesquisa da CNDL, 1,9% registraram medo de fazer compras pela internet. E isto talvez se deva aos riscos que a modalidade oferece, apesar da praticidade e da segurança em tempos de pandemia.
Apesar disso, 11,2% dos entrevistados que realizaram compras online no período, afirmaram utilizar o WhatsApp dos vendedores para a realização de compras. Aí, então, está o perigo.
As negociações no WhatsApp, assim como nos demais meios virtuais, exige medidas de segurança. Em casos de vendas pelo aplicativo, é preciso investigar se vendedores e links disponibilizados são seguros e não utilizados com a intenção de roubar dados do consumidor.
Para coibir tal prática, aplicativos como o WhatsApp orientam quanto aos cuidados devidos, mas não são isentos por eventuais danos aos consumidores. No caso de WhatsApp clonado, os tribunais brasileiros entendem que há também um dever das operadoras de telefonia, já que elas integram a oferta de serviço. E ainda que haja descuido do consumidor, pode haver também direito a reparação por danos morais.
Dicas para lidar com a negativação indevida
O momento é delicado, mas os consumidores devem ter seus direitos protegidos, inclusive quanto à cobrança e a negativação indevida.
Aos negativados indevidamente, o primeiro passo é entrar em contato com a empresa. Caso ela não se manifeste, é hora de procurar auxílio, judicial ou não.
O Procon é o órgão oficial de proteção aos consumidores, mas hoje há plataformas de mediação de acordos, a exemplo do consumidor.gov. Outra saída, é entrar com um processo judicial.
Embora o advogado seja dispensado em algumas situações, ele é necessário na fase recursal. E ter um profissional capacitado atuando na causa desde o início pode ser uma vantagem. Além disso, ele pode auxiliar o consumidor em um acordo com a empresa sobre a indenização por danos morais antes do fim do processo ou mesmo de seu ajuizamento.