O juiz Elleston Lissandro Canali, da Vara Criminal da Região Metropolitana de Florianópolis, derrubou neste domingo o sigilo dos pedidos e das decisões que embasaram a segunda fase da operação O2 e tiveram a prisão do ex-chefe da Casa Civil do governo de Santa Catarina, Douglas Borba. Os documentos detalham em 164 páginas os motivos apontados pela força-tarefa do Ministério Público e da Polícia Civil para prender seis pessoas. Até esta segunda-feira, somente uma delas continua foragida. Douglas e o advogado Leandro Barros continuam na sede da Deic, em São José. Os outros três presos, no RJ (dois deles) e em SP, chegam nesta segunda.
Para os investigadores, Douglas Borba “se utilizou da força política que detinha e da ascendência sobre as demais secretarias de Estado e servidores, introduziu, por meio de Leandro Barros, o empresário Fábio Guasti (empresário intermediador) e, por consequência, os demais representados a ele vinculados, Pedro Nascimento Araújo (CEO da Veigamed) e César Augustus Thomaz Braga Martinez (advogado da Veigamed), no coração do órgão que estava centralizando a aquisição de insumos e equipamentos, culminando no desvio dos valores do Estado de Santa Catarina”. Segundo a força-tarefa, já era de conhecimento dos envolvidos a impossibilidade de entrega dos produtos oferecidos.
A Veigamed foi a empresa escolhida por dispensa de licitação para vender os 200 respiradores por R$ 33 milhões. O valor foi pago antecipadamente no dia 1º de abril e, conforme os investigadores, repassados dois dias depois em 56 transferências bancárias. Do total, R$ 11 milhões já foram recuperados.
Segundo a decisão do magistrado, Douglas indicou à servidora e investigada Márcia - encarregada da compra de equipamentos e materiais para o enfrentamento à epidemia da COVID-19 no território catarinense - o empresário (e investigado) Fábio Guasti, apresentado como sendo a pessoa que teria efetivas condições de fornecer os ventiladores pulmonares em curtíssimo prazo.
Além disso, o ex-chefe da Casa Civil indicou à mesma servidora o investigado Leandro Barros, dando a entender que era pessoa que, em nome de Douglas, acompanharia o negócio. Ambos (Fábio e Leandro) eram pessoas das relações pessoais do ex-secretário, segundo os investigadores. Para o magistrado, Leandro “desempenhou relevante papel no sentido de impedir a adoção de providências imediatas visando resguardar os interesses do Estado, consistente em assegurar, posteriormente ao pagamento, a entrega do produto”.
César Augustus Thomaz Braga Martinez exerceria a função de articulador do grupo, de acordo com a decisão, desempenhando papel fundamental na aproximação de Fábio (que estava ajustando o negócio de compra e venda com o Estado) com o investigado Pedro Nascimento Araújo (que controlava a empresa que poderia ser usada no negócio, a Veigamed). Fábio foi o responsável por toda a negociação com o Estado, mantendo contatos constantes com Marcia.
Além disso, diz o juiz, ele tinha o papel de pressionar os agentes públicos para obter a liberação antecipada dos recursos, a toda hora prometendo a entrega e dizendo que os equipamentos estariam prontos para embarque, “tendo obtido êxito em seu propósito”. Pedro Araújo, CEO Veigamed, seria o responsável de fato pela empresa usada para a contratação. Além disso, acompanharia e consultaria a “conta da empresa para monitorar o ingresso da quantia milionária, assim controlando e garantindo o sucesso da empreitada, mesmo porque o dinheiro foi transferido para outras contas, de pessoas diversas, imediatamente após o ingresso na conta” da Veigamed.
A principal fundamentação dos investigadores para as prisões é a destruição de provas. A força-tarefa destaca que a prática de apagar mensagens no WhatsApp era recorrente entre os envolvidos. Um dos exemplos é a conversa entre Douglas e a ex-superintendente de Gestão Administrativa da secretaria de Saúde, Marcia Geremias de Pauli, em que ele indica sua relação com o grupo empresarial escolhido para a venda dos respiradores.
No celular do ex-chefe da Casa Civil, afirma o pedido de prisão, o trecho foi “propositalmente editado”. A alteração na conversa foi verificada por perícia nos celulares. Além disso, os investigadores trazem fatos novos de destruição de provas envolvendo Douglas. Conforme os documentos de pedidos de prisão, o ex-chefe da Casa Civil apagou todas as mensagens trocadas com o advogado Leandro Barros, assim como também foi feito pelo defensor. Imagens encontradas no computador de Douglas na Casa Civil, entretanto, comprovariam a relação e conversas entre eles pelo aplicativo.
Segundo o juiz responsável pelo processo, "no tocante à garantia da ordem pública, destaca-se que a prisão dos investigados evitará a reiteração de práticas delituosas semelhantes às investigadas nestes autos, pois concreto o risco de recidiva, inclusive com o concurso de terceiras pessoas".
Outro fato apontado como tentativa de “frustração da instrução criminal” por parte do ex-secretário do governo catarinenses foi o endereço dado por ele ao prestar depoimento à força-tarefa no começo de maio. Segundo a investigação, Douglas deu o endereço residencial de um imóvel desocupado “com o claro propósito de frustrar as investigações”.
A relação entre Douglas Borba e Leandro Barros foi destacado pela força-tarefa que investiga a compra dos respiradores. Segundo o pedido de prisão e busca e apreensão, ambos têm amizade pública e notória. Os dois moram em Biguaçu e também tiveram relação política enquanto Douglas era vereador e Leandro secretário de Saúde na cidade. Eles eram filiados ao mesmo partido, de acordo com os investigadores.
A ligação entre os dois também é comprovada com mensagens de celular em que Douglas foi convidado para uma festa da família de Leandro, além do elo no futebol amador de Biguaçu. A força-tarefa diz que os fatos descritos “demonstram induvidosamente estreitos laços de amizade que unem Douglas e Leandro, muito embora eles tentem omitir, dizendo apenas colegas”.
O elo entre Leandro Barros e Fabio Deamborsio Guasti, apontado como responsável por intermediar a compra fraudulenta, está nos trabalhos jurídicos exercidos pelo ex-secretário de Saúde de Biguaçu. Além disso, Leandro ajudaria a prospectar novos negócios.
Os documentos liberados pelo Judiciário trazem ainda o pedido e a permissão da prisão de Davi Perini Vermelho, presidente da Câmara de Vereadores de São João do Meriti (RJ). Segundo o MP-SC, ele tem vínculo com a empresa Veigamed e participou da venda dos respiradores ao Estado. Além disso, o fato de ele ter apagado mensagens do celular, como foi comprovado pelos investigadores, indicaria que ele estava destruindo provas.
A força-tarefa que investiga a compra dos respiradores é contundente ao descrever a fraude nos seus pedidos: “trata-se, possivelmente, do crime mais perverso cometido na história recente catarinense, no qual os representados, imbuídos dos sentimentos mais mesquinhos, agiram dissimuladamente para auferir ganho milionário aproveitando-se da situação de calamidade pública vivenciada pela contaminação humana pelo novo coronavírus, em detrimento da vida da população.
Para o juiz do caso, "tendo em vista o atual cenário de caos e vulnerabilidade social, econômica e política, e diante dos elementos probatórios apresentados, é evidente que a liberdade dos investigados deixaria latente a falsa noção da impunidade e serviria de estímulo para idêntica conduta – tanto pelos investigados como por outras pessoas que encontram nesse tipo de criminalidade seu meio de vida –, fazendo avançar a intranquilidade que os crimes dessa natureza vêm gerando na sociedade como um todo".
No pedido dos mandados de prisão e busca e apreensão, a força-tarefa afirma que os envolvidos cometeram seis crimes. Nem todos os investigados se envolveram em cada um deles, como é caso de Douglas Borba, que não é descrito em lavagem de dinheiro e fraude em prejuízo da Fazenda Pública, por exemplo. Veja abaixo os crimes cometidos na investigação e a pena de prisão prevista, conforme os investigadores:
Dispensa de licitação sem a observância das formalidades pertinentes (três a cinco anos)
Fraude em prejuízo da Fazenda Pública (três a seis anos)
Peculato (dois a 12 anos)
Lavagem de dinheiro (três a 10 anos)
Integrar organização criminosa (três a oito anos)
A NSC TV buscou contato com os investigados. A defesa de Fábio Deambrósio Guasti esclareceu que ainda está analisando o inquérito para poder se pronunciar sobre o caso.
O advogado de Douglas Borbas não respondeu aos questionamentos da equipe de reportagem. Em relação a Leandro Barros, não se conseguiu contato com a defesa.
O advogados de Davi Perini Vermelho e Pedro Araújo disse no final de semana que não respondia mais pelo caso.