A industrialização no Brasil teve início com a indústria têxtil. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria, Confecção e Vestuário – ABIT, o algodão representa 65% dos insumos têxteis, o que caracteriza esta matéria-prima como estratégica para a indústria nacional.
Ainda que haja consenso em relação a sua importância para a Economia do país, diante de um debate global sobre sustentabilidade, é fato que a cultura do algodão tem trazido graves danos ao meio ambiente. O uso intenso de água e de pesticidas são alguns destes impactos.
Em busca de mudar este cenário a Unidade Internacional de Sustentabilidade, instituição encabeçada pelo Príncipe Charles, no Reino Unido, tenta facilitar o consenso sobre como resolver alguns dos principais desafios ambientais e sociais das cadeias de fornecimento de algodão. Em 2017, o “Desafio do Algodão Sustentável de 2025”, surgiu como proposta alinhada com Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e do Acordo de Paris. O pacto conseguiu reunir 39 empresas transnacionais que se comprometeram a desenvolver produtos com algodão 100% sustentável.
No Brasil, menos de 1% da produção de algodão é de origem orgânica. Nesta pequena fatia, o algodão colorido natural da Paraíba tem ganhado protagonismo no mercado interno e externo. O algodão que nasce naturalmente colorido, é cultivado sem irrigação e sem aditivos químicos.
A iniciativa privada no Arranjo Produtivo Local do Algodão Colorido da Paraíba
A Santa Luzia Redes e Decoração, localizada em São Bento, sertão da Paraíba, desde 2006 tem cultivado o algodão colorido natural e orgânico certificado em 20 hectares em sistema de agricultura familiar. A matéria-prima alimenta a fábrica que produz artigos têxteis de decoração: redes de descanso, mantas, entre outros, para abastecer o mercado nacional e internacional.
Com a demanda crescente, a empresa decidiu ampliar a produção agrária em 300% para atender tecelagens e outros parceiros na região Sul e Sudeste do país. Até o momento, já são 60 hectares produzindo algodão orgânico em municípios no entorno da fábrica têxtil, mas o projeto prevê 100 hectares de algodão em 2021. “Temos o sonho de inspirar a retomada da cultura algodoeira do Estado, que já foi líder do país’’, explica Armando Dantas, executivo da empresa têxtil. Nossa proposta é oferecer um algodão de alto valor agregado por se tratar de matéria-prima alinhada aos princípios de sustentabilidade ambiental, econômica e social”, diz.
O sistema de agricultura familiar já alcança escala industrial -- em média são 1.200 kg de algodão por hectare. Porém, entre os gargalos para uma cultura livre de agrotóxicos, o combate a pragas feita de forma manual vem gerando uma baixa produtividade e custos mais altos. Desta forma, para agregar valor aos seus produtos e alcançar o preço adequado, a empresa tem investido em inovação e alcançado boa visibilidade.
O tema do design associado ao artesanato trouxe reconhecimento de excelência nos produtos têxteis sustentáveis. Um status que atraiu pedidos de coleções exclusivas para empresas conceituadas no setor de decoração, além de convites para feiras de design na França e na Itália.
O interesse pelos têxteis também vai sendo absorvido por outros setores ligados ao bem-estar como é o caso da Positiv.a. A empresa, que atua no mercado de produtos de limpeza para a casa, conheceu o algodão sustentável em uma feira de produtos orgânicos, em São Paulo. “Trata-se de uma grande compradora de tecidos de algodão que vem colaborando de forma indireta com a expansão do cultivo na Paraíba”, destaca Dantas.
Marcela Zambardino, cofundadora e coCEO da Positiv.a, explica que o propósito da sua empresa é estimular o consumo consciente. Entre os produtos ecológicos, há panos de prato e de limpeza feitos com o algodão orgânico da Santa Luzia. Ela explica a escolha: “O algodão comum é uma das commodities mais poluentes do mundo. E o algodão orgânico, ao compor peças assinadas por estilistas, torna-se um produto caro. Um pano de limpeza pode ser o único algodão orgânico dentro da casa -- um produto nacional, que respeita e valoriza a terra e as pessoas. E nossos clientes compram porque também querem apoiar isso”. Na comunicação da Positiv.a há informações sobre o modo como o algodão é cultivado. “Acho incrível que a empresa plante o próprio algodão, fomentando a economia dos assentamentos rurais e com uma cadeia produtiva transparente”, diz.
Apoio das Instituições públicas e privadas na Paraíba
A iniciativa empreendedora da Santa Luzia colhe bons resultados pelo apoio de instituições. Entre elas, a Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária -- Empaer, vinculada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento da Agropecuária e da Pesca. Os técnicos da Empaer trazem conhecimento para a atividade agrícola, ensinando o agricultor a cuidar da terra e da planta sem defensivos, sobretudo na região do semiárido, com características específicas, onde a seca pode durar anos. “A ação da empresa em priorizar o cultivo em áreas remotas e de grande vulnerabilidade social é louvável. Isso traz um benefício significativo como a transformação econômica para estas famílias que antes plantavam apenas para subsistência e, hoje, já nutrem novas perspectivas melhorando sua auto-estima”, declara Nivaldo Moreno Magalhães, presidente da Empaer.
Gilvan Ramos, agrônomo e especialista em agribusiness da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa Algodão, credita a expansão da cultura ao sucesso comercial e econômico-financeiro de empresas privadas. “A Santa Luzia representa hoje, no estado da Paraíba e no Brasil, um empreendimento industrial-comercial de aproveitamento racional da tecnologia algodão naturalmente colorido. Ao lado de outros empreendimentos micro-empresariais, a iniciativa é a mais completa porque sua programação de trabalho e projetos elaborados até o presente momento apresentam início, meio e fim”, diz.
De acordo com Luiz Sávio, gerente do Instituto de Tecnologia Têxtil e Confecção do Senai Paraíba, a entidade apoia a iniciativa da expansão da cultura do algodão no que for necessário, principalmente no beneficiamento da pluma. Savio observa que o trabalho da Santa Luzia é muito significativo. Enquanto o estado da Paraíba em 2019 produziu 20 toneladas de algodão orgânico colorido em pluma incluindo a produção da Santa Luzia, somente esta empresa deve produzir mais de 25 toneladas ainda este ano.
Para ele, o trabalho da Santa Luzia é exemplar “não só por abraçar a nobre bandeira da sustentabilidade do nosso algodão colorido, mas por dar condições às nossas humildes famílias plantadoras deste algodão. São em torno de 180 pessoas simples do campo. Além de apoiar as comunidades quilombolas daquela região, que estão por lá, desde o século XIX”, diz.
De forma colaborativa, o programa de expansão do algodão na Paraíba está fortalecendo as comunidades agrícolas. Dantas faz parte de uma geração de líderes que se antecipa a uma nova realidade da indústria dando prioridade para a sustentabilidade e para a transparência. O desafio do algodão sustentável 2025 deve ajudar as grandes empresas a manterem o foco. Em breve, mesmo as pequenas empresas têxteis devem colocar o algodão sustentável no centro de seus negócios e a Santa Luzia é uma alternativa por estar com a cadeia produtiva em plena capacidade de atendê-las.
Fotos: https://bit.ly/2ZAvtiN