Não é novidade que a crise provocada pela Covid-19 evidenciou a desigualdade tanto social quanto por gênero. Em tempos de pandemia, a inclusão financeira tem papel importante no acesso e uso de transferências governamentais, tais como auxílio emergencial ou o Pronampe. A exclusão financeira espelha, em grande medida, a desigualdade e a pobreza no país. Dessa forma, com o objetivo de trazer um retrato sobre as diferenças, o Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV EAESP, a partir de dados disponibilizados pela proScore, um bureau digital de crédito, fez um retrato sobre score de crédito, inadimplência, bancarização e empreendedorismo, comparando esses dados por gênero, faixas etárias e classes sociais.
Os resultados evidenciam as diferenças entre as classes sociais: 35% das pessoas que tiveram o score de crédito (contagem de pontos) consultados estavam inadimplentes no segundo semestre do ano passado. Vale lembrar que o score pode variar de 0 a 1.000 pontos, que demonstra a reputação financeira da pessoa. Eles ajudam no momento de pedir financiamentos, empréstimos, cartão de crédito ou até mesmo parcelar contas. Quanto mais próximo de 1.000, menor o risco.
Nesse levantamento, na análise de inadimplência, foram observadas as pessoas que tiveram seus scores de crédito consultados e que estavam inadimplentes; na bancarização, quem teve os scores consultados na proScore e responderam possuir conta-corrente em banco público ou privado, não incluído contas em “fintechs” e contas digitais; por fim, no empreendedorismo, quem se autodeclarou ter participação societária em empresa de qualquer porte ou composição societária (somente formalizadas).
Comparando os scores médios no período (entre o 1º semestre de 2019 e o 2º de 2020), observa-se relativa estabilidade. Portanto, a pandemia não deve ter tido efeito relevante para os dados analisados.
É possível notar que existe uma clara incidência de menores scores de crédito para as classes sociais mais baixas, demonstrando que a renda tem forte relação nos scores. Já os scores de crédito médio das mulheres apresentaram melhor desempenho após o início da pandemia. Enquanto os scores médios das mulheres da classe “A”, por exemplo, cresceram de 729,4 pontos para 746,2, diferença de 16,8 pontos; o dos homens da classe “A” passou de 721,8 para 725,6, crescimento de 3,8 pontos. Essa constatação pode ser observada na maior diferença entre os scores médios das mulheres comparando o primeiro semestre de 2019 e o segundo semestre de 2020, principalmente nas classes sociais “D” e “E”, que tiveram respectivamente um aumento de 10,6 pontos e 9,2 pontos.
Dentro de cada recorte podemos observar o percentual de pessoas que tiveram seus scores de crédito consultados e que estavam inadimplentes. Fica claro pelo gráfico a grande diferença entre as classes “A” e “E”. Por exemplo, tomando o 2º semestre de 2020, 21% das mulheres e dos homens da classe “A” que tiveram seus scores consultados estavam inadimplentes. O mesmo dado para a classe “E” era 35%. Ao mesmo tempo, não há diferença relevante entre homens e mulheres pertencentes à mesma classe.
As mulheres da classe social “C” apresentam uma tendência de diminuição mais acentuada conforme o maior grau de instrução. Na classe “D” o impacto da escolaridade é menor, e na classe “E” quase inexistente. A constatação do gráfico parece diretamente relacionada ao fato de que, quanto maior a escolaridade, maior a renda da pessoa.
Além disso, nota-se um crescimento considerável na bancarização conforme as mulheres vão envelhecendo, sendo que esse movimento acontece em todas as classes sociais, existindo também um aumento na bancarização feminina ao longo do tempo quando considera-se a base de dados da proScore.
Empreendedorismo
O estudo procurou comparar o nível de empreendedorismo por classe social, agrupando ainda as mulheres e os homens em dois grandes grupos e comparando o primeiro e o segundo semestres de 2020, há um menor nível de empreendedorismo entre as mulheres na classe social “E” em comparação à classe social “A”. A comparação entre o nível de empreendedorismo reportado pelos homens vem diminuindo, enquanto o das mulheres vem aumentando, usando a mesma base comparativa, chegando as mulheres a ultrapassarem os homens como mais empreendedoras em todas as classes sociais, exceto na classe “E”.
Já quando comparada apenas a classe social “E”, verifica-se uma estabilidade nos percentuais de empreendedorismo, tanto entre as mulheres (30%), como entre os homens (32%). Ao se comparar a classe social “A” com a “E”, percebe-se uma participação muito maior de mulheres como sócias de empresas na classe social “A” do que na classe social “E”, com uma diferença de quase 17%.
A pesquisa observou que os scores de crédito médio das mulheres apresentaram melhor desempenho após a pandemia, indicando maior impacto negativo sobre scores dos homens. Da mesma forma, o percentual de inadimplência das mulheres é menor que o dos homens. Em todos os casos analisados há uma grande diferença entre as classes sociais, ressaltando que gênero e renda se relacionam nos contextos de desigualdade.