10/06/2020 às 10h26min - Atualizada em 10/06/2020 às 10h26min

Acareação fortalece discursos e revela fatos novos na CPI dos Respiradores

Procedimento inédito na história da Assembleia Legislativa durou mais de cinco horas e reuniu três personagens da novela da compra dos 200 respiradores pulmonares

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Acareação da CPI dos Respiradores foi realizada na Alesc. Foto: Reprodução TVAL
 

A primeira acareação da história da Alesc (Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina), protagonizada por três testemunhas da CPI dos Respiradores que investiga a compra de 200 respiradores por R$ 33 milhões sem garantias, fortaleceu discursos, trouxe poucos esclarecimentos, mas também chamou atenção para alguns fatos novos.

Sentados lado a lado, o ex-secretário da Casa Civil, Douglas Borba, a servidora pública e ex-superintendente de Gestão Administrativa da SES (Secretaria de Estado da Saúde), Marcia Regina Geremias Pauli, e o ex-secretário de Estado da Saude, Helton Zeferino, apresentaram suas versões por mais de cinco horas para questões como pagamento antecipado, pressão sobre servidores, nota fiscal assinada e a escolha da empresa Veigamed para realização do negócio.

Marcada para as 17h, a acareação começou com 40 minutos de atraso após a chegada das três testemunhas, que entraram separadamente no auditório Antonieta de Barros, acompanhados dos advogados. Sem trocar olhares, Douglas Borba, Marcia Regina Geremias Pauli e Helton Zeferino cumpriram as formalidades prévias a pedido do presidente da CPI, deputado estadual Sargento Lima (PSL).

O relator, deputado estadual Ivan Naatz (PL), ressaltou que o objetivo da CPI com a acareação era verificar “quem tem mais crédito naquilo que fala”. Instado a apresentar fatos novos, Zeferino falou que a Veigamed só entrou no processo no dia 27 de março, e não no dia 22, através do contato de Borba para Márcia, via aplicativo de mensagens. Até o dia 26, a proposta seria da Brazilian Trading, a importadora procurada pelo médico Fabio Guasti. Márcia discordou do fato novo, alegando que a situação está nos autos.

O relator Ivan Naatz iniciou a acareação ao questionar quem teria sido o responsável pelo pagamento antecipado. Márcia declarou que a decisão por ato discricionário era o secretário Helton Zeferino. Por sua vez, o ex-secretário alegou que não houve autorização do gabinete para pagamento antecipado, e repetiu a versão de que “se trata de uma nota certificada, com a descrição de um equipamento que sequer chegou, então temos um processo de fraude”.

Márcia replicou ao lembrar que o pagamento antecipado era uma condição mínima para a evolução da proposta. “A autorização só pode ser do secretário Helton, não pode ser de mais ninguém”, afirmou Márcia, ao destacar que a ordem de pagamento foi executada pelo Fundo Estadual de Saúde, que é vinculado ao gabinete do secretário de Saúde.

Helton e Márcia trocaram mais algumas acusações, que obrigaram os advogados a intervir no procedimento com questões de ordem seguidas, situação que foi logo repreendida. “Nós viemos aqui para ouvir as três testemunhas, e não aos nobres advogados, com todo respeito”, alegou Sargento Lima.

A influência de Douglas Borba, através do advogado Leandro Barros também foi discutida, com versões contrapostas de Márcia e do próprio Borba. O ex-secretário da Casa Civil confirmou que passou a enviar “protótipos” para Márcia, após ela ser indicada pelo secretário Helton Zeferino. “A partir do momento que faço o encaminhamento, eu saio de cena”, disse Borba, para negar participação na escolha da empresa, definição do produto e execução do pagamento dos 200 respiradores. Márcia manteve a versão de que recebeu contato de Borba e então passou a conversas com Leandro. “Não muda em nada que eu coloquei. Gostaria de ressaltar que foi com a permissão do secretário Helton, que o secretário Douglas fez contato com a SGA”, completou.

A pressão exercida por Borba, então secretário da Casa Civil, como braço direito do governador Carlos Moisés, também foi abordada. Segundo Márcia, o secretário Douglas falava em nome do governador. “Sempre foi assim de perguntar, de cobrar: e os respiradores? deram certo?”, relatou, acrescentando ter recebido mensagens de cobrança e até telefonemas. “Um deles ele falou em excesso de preciosismo: “vocês têm muito excesso de preciosismo. Vocês não têm com o que se preocupar, o governo nunca vai lhes desamparar”. Existem várias formas de pressão”, lembrou Márcia.

Para Borba, Márcia falou “inverdades”, e destacou que a conversa dele em relação a Leandro foi exclusivo para a compra dos EPIs. “É mentira”, disse Borba, sobre a tentativa de responsabilizá-lo para contratar e pagar a Veigamed.

“Eu não tratei de respiradores porque eu simplesmente desconhecia. Eu tomei conhecimento no dia 22 de abril, em reunião com o governador, o chefe de gabinete, e o secretário Helton”, acrescentou. No encontro, segundo Borba, Zeferino abriu o jogo em relação a compra. “Vocês querem problema? O Estado pagou R$ 33 milhões e não recebeu”. Para Borba, toda a responsabilidade da compra é da SES. “Não sei de quem, nem quero saber, mas é da SES,” disse.

A citação da reunião deu origem ao primeiro fato novo da acareação: o governador Carlos Moisés soube da situação no dia 16 de abril, seis dias antes da reunião citada por Borba, por intermédio do próprio Zeferino, que havia pedido ajuda da PGE (Procuradoria Geral do Estado) na véspera, dia 15, após findar o prazo de defesa da empresa referente a notificação. “Eu comuniquei ao governador do Estado o que o procurador do Estado havia orientado”.

A informação foi revelada depois que Márcia declarou que todos já sabiam da situação, pois “a informação do pagamento (realizado em 2 de abril) foi um temor dentro da Defesa Civil”, que sediava o COES (Centro de Operação de Estratégia da Saúde).

Márcia também destacou que o “modus operandi” dos processos de compra da SES na época da pandemia era invertido. “Primeiro fechava a proposta e depois fazia cumprir o rito”, declarou. Para ressaltar a participação do ex-secretário da Saúde na gestão de crise, a servidora acusou Zeferino de construiu um termo de referência para um contrato com leitos de hospitais privados, com diário de R$ 3 mil.

Diante da acusação, o ex-secretário contra-atacou: “Temos que nos ater aos fatos, a compra de 200 respiradores. Volto a falar em fraude. Alguém assinou uma nota de algo que não chegou. E não foi uma, foram duas. Porque eu, que não tinha competência para tal, o fiz”, acusou, em referência a Márcia, que, como superintendente, só poderia assinar compras de até R$ 5 milhões.

Márcia destacou que a assinatura digital é do processo de compra junto a Eddera, datada de 20 de março, e serviu para startar o processo de pagamento, conforme rito definido pela gerência financeira do COFS (Coordenação do fundo Estadual de Saúde). “Dois colegas foram instruídos pelas gerências do COFs, que é subordinado ao gabinete do secretário”, replicou.

A CPI quis também esclarecer se Borba conhecia o médico e empresário Fabio Guasti, que representou a Veigamed na compra. O ex-secretário da Casa Civil negou conhecer o médico, enquanto Márcia reafirmou que falou com Guasti após receber o prospecto de Borba, e Helton confirmou a fala de Márcia. “Não conheço Fábio Guasti. Nunca falei com ele. Nunca conversei com ele. Me parece que o tal Fábio Guasti sequer era da Veigamed. Entre os dias 22 a 25 de março, Márcia e Fábio Guasti trocaram diversas mensagens sem participação minha”, declarou Borba. “Quem teria encaminhado os contatos da Veigamed, ela me disse que tinha sido o secretário Douglas Borba”, reafirmou Zeferino

A escolha da Veigamed também não foi esclarecida. Borba disse que não teve envolvimento e atribuiu a escolha à SES. Márcia declarou que a escolha foi do ex-secretário Helton Zeferino, que negou. Márcia então lembrou de um questionamento feito após a negociação que reduziu o valor unitário do respirador de R$ 169 mil para R$ 165 mil. “Após a negociação, perguntei: nós vamos adquirir esses 200 ventiladores? Sim, ele respondeu”.

Então Helton, ressaltou: “Naquele momento, no dia 26 de março, nós tínhamos uma empresa que não era a Veigamed. A empresa que era preponente era a Brazilian Trading. A Veigamed só entra no dia 27. Quando dizem que o Helton fechou a negociação com a Veigamed, não é verdade”.

Diante das manifestações, Borba concluiu: “A fala dos dois só confirma que a escolha não foi minha. Ninguém falou comigo para avalizar. Eu jamais cometeria uma insanidade dessas”. A pressão de Borba na SES voltou a ser abordada, e o ex-secretário Helton Zeferino acusou o ex-secretário da Casa Civil de pressioná-lo em quatro oportunidades, entre elas para quitar débitos com a organização social responsável pelo SAMU.

Borba negou, e reconheceu apenas a situação que envolvia a compra dos EPIs, quando chegou a pressionar o Controlador Geral do Estado, Luis Felipe Ferreira. “Eu não trato como pressão. Trato como resolutividade e agilidade nos processos do Estado”, definiu, lembrando que a situação ocorreu durante a Semana Santa, exigia uma definição e não podia aguardar a passagem do feriado.

A situação da nota fiscal assinado pela servidora pública voltou ao debate. Márcia reiterou que a SGA não origina a compra e não paga ou executa a ordem de pagamento. Zeferino voltou a falar que tudo aconteceu porque os respiradores não foram entregue e há uma nota fiscal assinada, de recebimento. “Nota fiscal é o documento mais importante do processo. Quando tem a assinatura de quem, está dizendo que chegou. Se não tem competência para tal, porque o fez?”, indagou novamente Zeferino.

Questionado pelo relator, em relação ao documento, Márcia explicou: “eu gostaria de materialidade onde diz que nota assinada é recebimento. O processo foi instruído com essas peças pela gerência financeira do COFS, vinculado ao gabinete do secretário Helton”, disse Márcia, ressaltando que a nota assinada integra o sistema de processo eletrônico, mas é o SIGEF (Sistema da Fazenda) que realiza o pagamento.


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