O novo coronavírus, responsável pela doença Covid-19, tem causado um efeito devastador no planeta. Até o início do dia 30 de março, foram registrados mais de 700 mil casos da doença causada pelo vírus e mais de 15 mil mortes.
Além do custo humano, que já é altíssimo e provavelmente ainda será maior até o fim da pandemia, o novo coronavírus trará um custo econômico enorme. O FMI já prevê uma recessão global pior que a de 2009 causada pela crise do subprime de 2008 nos EUA, e os governos de vários países estão agindo de modo a tentar minimizar os impactos dessa crise.
Com a redução de atividade econômica e redução de consumo durante o período da crise, muitas empresas precisarão demitir seus funcionários para tentar manter as contas em ordem. Nos EUA, o Secretário do Tesouro Americano, Steven Mnuchin, prevê uma taxa de desemprego de até 20% durante 2020.
Aqui no Brasil, infelizmente, as coisas podem seguir o mesmo caminho, com muita gente sendo dispensada das empresas onde trabalham. No entanto, quais são os direitos trabalhistas das pessoas durante a crise do novo coronavírus? Como uma pandemia global afeta a lei? Os especialistas em Direito do Trabalho do escritório Carlos Lopes Campos Fernandes Advogados afirmam que a CLT continua vigorando normalmente.
"A CLT prevê que haja alguma redução de salários por motivos de Força Maior, sendo estes os acontecimentos inevitáveis em relação à vontade do empregador, sem que ele tenha tido influência direta ou indireta neles. Nesse caso, é possível uma redução de até 25% dos salários. No entanto, o restante da CLT permanece igual com ou sem pandemia", explica um dos especialistas no assunto.
Isso significa, portanto, que até mesmos as demissões devem seguir os ritos estabelecidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e outras legislações que regulam a relação de contratos de trabalho.
"Exatamente. Demissões em massa ou não, acordos e férias devem seguir o ordenamento jurídico em vigência. No Direito do Trabalho , tem-se como premissa que os riscos da atividade econômica são do empregador. Isso quer dizer, portanto, que não se pode evocar a excepcionalidade de uma pandemia global, per si, para mudar o panorama. No entanto, também se compreende que existam ferramentas disponíveis para que o empregador possa encontrar soluções para o seu problema", revela o especialista.
Dentre essas ferramentas que o empregador tem, estão todas as ações que são autorizadas pela legislação trabalhista. O principal instrumento dessa situação é o Acordo Coletivo.
"Por meio do Acordo Coletivo, é possível estabelecer determinadas condições não previstas na legislação, mas sempre de acordo com as normas constitucionais. Dessa forma, o empregador pode fazer acordos com os empregados e os sindicatos para pensar na melhor alternativa para superar a crise do novo coronavírus", esclarecem os advogados.
Uma solução drástica prevista pela CLT é a suspensão do contrato de trabalho para que o empregado faça um curso de qualificação. A alternativa visa diminuir o custo do empregador, mas garantir a capacitação do colaborador nessa situação.
"A suspensão do contrato de trabalho para fazer um curso de qualificação pode durar até 5 meses e, embora o colaborador não receba o salário mensal, ele deverá receber uma ajuda de custo de natureza indenizatória definida via acordo coletivo", explica o especialista.
As férias coletivas e individuais também são ferramentas para o empregador tentar manter os empregados em casa, em segurança para não serem infectados pelo novo coronavírus e respeitando as normas de quarentena que muito provavelmente serão aplicadas no Brasil todo, mas com redução de custos.
"A decisão em relação às férias individuais cabe sempre ao empregador. No entanto, é recomendado o uso de um Acordo Coletivo para determinar as férias coletivas, uma vez que é necessário ter um aviso prévio de 30 dias em relação ao início das férias individuais. No entanto, a MP 927 modifica isso e pede apenas por um período de 48 horas de aviso prévio durante um estado de calamidade pública, que é o do coronavírus", sugerem os especialistas.
A formalização das férias individuais ou coletivas deve ser feita por meio escrito, e o período de férias não pode ser inferior a 5 dias, embora não seja necessário que o trabalhador tenha completado o período aquisitivo de férias para recebê-las.
"Outra medida que a MP 927 coloca é que as férias podem ser pagas até o 5º dia útil do mês subsequente. O acréscimo de 1/3 delas pode ser pago até dezembro, com o mesmo prazo do 13º salário", explicam.
Uma alternativa para a situação é estabelecer um banco de horas. Trata-se de um mecanismo em que há redução ou suspensão das atividades de alguns ou todos os empregados, para que haja a reposição desse trabalho em uma data no futuro.
"A regra para o uso do banco de horas é que a compensação do trabalho seja feita em até 18 meses contados a partir do fim do estado de calamidade pública. Antes era menos tempo, mas a MP 927 mudou o prazo. Assim, o empregado fica em casa, a empresa respeita a quarentena e, no futuro, o trabalho é compensado para acelerar a recuperação econômica. Essa compensação, no entanto, não pode ultrapassar o período de 2 horas por dia de trabalho", explica o especialista.
Apenas após o esgotamento de todas essas medidas é que se deve considerar a extinção do contrato de trabalho por parte do empregador. No entanto, mesmo em caso de pandemia do novo coronavírus, a demissão sem justa causa ainda conta com todas as proteções legais da CLT.
"Isso significa que, mesmo em caso de demissão coletiva ou por causa da pandemia, os pagamentos de todos os direitos dos trabalhadores devem ser realizados. O empregado que não receber tem todo o direito de entrar com uma ação judicial", alertam os especialistas em Direito do Trabalho do escritório Carlos Lopes Campos Fernandes Advogados.
Antes de concluir, no entanto, os especialistas explicam que medidas excepcionais podem ser adotadas pelo governo e avaliadas pelo Congresso. Por isso, o mais recomendado é ter calma e esperar para tomar qualquer decisão no âmbito jurídico.