Porém, o estudo mostra que as favelas localizadas nas áreas mais valorizadas podem ter até duas vezes mais ocorrências de incêndio do que as comunidades em bairros em que o metro quadrado tem valor na média ou abaixo dela.
A hipótese foi testada ainda a partir da Operação Urbana Água Espraiada, iniciada em 2004. Nesse contexto, foram feitas uma série de intervenções da prefeitura de São Paulo na região do Itaim Bibi, acompanhada de permissões para empreendedores privados de construírem acima dos limites normalmente estabelecidos. A remodelagem afetou, segundo a pesquisa de Pucci, um raio de quilômetros onde havia 13 favelas. Após a intervenção na região, o preço médio do metro quadrado aumentou, segundo a pesquisa de 10% abaixo da média na cidade para 5% acima do valor médio.
Nas favelas que ficaram nos locais mais valorizados após a operação urbana, o estudo apontou para um aumento de até 80% no risco dessas comunidades sofrerem incêndios. No artigo, o autor afirma que os resultados indicam que “incêndios criminosos podem ser uma manifestação de conflitos urbanos por terra”.
Apesar dos indícios, Pucci diz que não é possível ter certeza de que há intencionalidade nas causas do fogo. “Essa correlação existe [valor da terra e frequência de incidentes], não parece ser explicada por fatores estruturais, e existe uma história de que isso poderia ser motivado por liberar o terreno onde a favela está”, disse.
Outro ponto que chama atenção do pesquisador é que essa relação parece não se aplicar a terras públicas. “A partir de um limite de valor da terra, você tem uma probabilidade que é duas vezes maior de incêndio. Curioso que a gente observa isso só para favelas em terrenos privados, não em terrenos públicos”, acrescentou.
A possibilidade de incêndios criminosos em favelas foi alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito aberta em 2012 na Câmara Municipal. À época, a reportagem da Agência Brasil analisou as respostas enviadas pelas delegacias da capital paulista à comissão de inquérito. Em grande parte dos casos, não era sequer realizada perícia para apurar as causas do fogo. Mesmo nos casos em que um perito vai à área atingida, dificilmente os casos são esclarecidos.
As respostas pelos distritos policiais mostraram que, na falta de elementos que indiquem precisamente as causas dos incidentes, a investigação policial tende a assumir que o fogo teve origem em curto-circuito nas ligações elétricas clandestinas que levam luz aos barracos.
Mais de dez anos depois, os incêndios continuam atingindo de forma repetida diversas comunidades na capital paulista.
No final de abril deste ano, a comunidade Kampala, na Penha, zona leste paulistana, foi atingida por um incêndio que atingiu aproximadamente 50 barracos, deixando cerca de 200 pessoas desabrigadas.
Moradora da comunidade há seis anos, Luciana de Souza Santos contou que antes deste, outro incêndio já havia atingido o mesmo local, em 2019. Na ocasião, ela e outras moradoras fundaram a associação Guardiões do Bem, que organiza doações para as famílias mais desprotegidas socialmente. “Saímos no comércio do bairro pedindo doações de pão e leite para fazer o café da manhã. Porque o incêndio foi à noite”, disse, sobre a tentativa de reduzir os efeitos do fogo daquela vez.
Luciana diz que, por falta de opção, boa parte das famílias desabrigadas continuou morando na Kampala. “Elas voltaram para o mesmo local onde houve o incêndio”, afirmou.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, visitou a favela logo após o incêndio. A prefeitura disponibilizou um cartão auxílio com R$ 1 mil para as famílias atingidas e cadastramento nos programas habitacionais municipais. Ele também solicitou aos moradores para que ajudassem a conter a expansão da comunidade nas áreas irregulares. “É importante que a comunidade mantenha, sem ter maior crescimento”, disse.