Em 2019, os incentivos e subsídios à produção e ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil ultrapassaram R$ 99 bilhões em 2019, correspondendo a 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para o mesmo ano. Esse valor é equivalente a, por exemplo, quase três anos do Programa Bolsa Família.
De acordo com dois estudos oriundos da publicação "Incentivos e Subsídios aos Combustíveis Fósseis no Brasil em 2019: Conhecer, Avaliar, Reformar", do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), incentivos e subsídios ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil (2019): entre amplas renúncias e graves impactos climáticos e sociais, aprofunda a discussão sobre as decisões governamentais em relação ao tema. Apesar de uma pequena redução percentual dos incentivos ao consumo no comparativo entre 2019 e 2018 (cerca de -0,2%), esses ultrapassaram os R$ 63 bilhões em 2019.
Se o Governo arrecadasse essa quantia, daria para custear quase a totalidade de um Fundo de Financiamento para o Transporte Público, que garantisse o direito social ao transporte gratuito e universal previsto na Constituição. Em estudo anterior, o Inesc demonstrou a possibilidade de criação deste fundo a um custo aproximado de R$ 70 bilhões ao ano.
"Basta que se tenha vontade política para reconhecer que transporte é direito e precisa ser público e gratuito. Uma verdadeira política pública", diz Cleo Manhas, assessora política do Inesc e uma das responsáveis pelo estudo.
Para reverter um cenário tão alarmante, o Inesc faz uma série de recomendações, entre elas, garantir a transparência dos dados; criar um fundo de financiamento para o transporte público; e assegurar a participação social desde a concepção até a execução das políticas. Grande parte da população não sabe como são decididos incentivos e subsídios, e quais são áreas prejudicadas com a não arrecadação de determinados tributos.
"Esse estudo problematiza para onde estão indo os subsídios e quais as implicações para o cenário de emergência climática que vivemos, tendo em vista que os transportes são uma das áreas de maiores emissões de gases de efeito estufa em meio urbano. Além disso, explicitar tais políticas faz com que a sociedade se atente para a necessidade de participação nas decisões econômicas, que rebatem na execução das políticas públicas", completa Cleo.
Produção
Outro desdobramento é o documento "Incentivos e subsídios à produção de petróleo e gás no Brasil: três motivos para reformá-los", que demonstra a importância de um processo de pesquisa, avaliação e revisão dos incentivos fiscais à produção de combustíveis fósseis no Brasil.
Todas as etapas da cadeia de produção de petróleo e gás no país possuem algum tipo de incentivo federal. Esses incentivos começam desde as etapas de pesquisa e prospecção de novos poços de petróleo e chegam até as etapas finais, de transporte e refinação.
A primeira justificativa para revisar os incentivos e subsídios vem da constatação que eles afetam negativamente os esforços brasileiros e mundiais de transição para uma matriz energética limpa. As matrizes elétrica e energética são consideradas renováveis, entretanto, uma matriz renovável não significa necessariamente uma matriz verde ou limpa. As grandes hidrelétricas, por exemplo, acumulam várias violações de direitos socioambientais.
O segundo ponto coloca luz na questão das renúncias fiscais para o setor de produção de combustíveis fósseis, pois elas afetam políticas sociais do Governo em nível federal, estadual e municipal. Alguns tributos relacionados a esses incentivos possuem destinos fundamentais para o financiamento de políticas públicas no Brasil, e a redução desse financiamento é utilizada pelo Governo como justificativa para cortes dos gastos na área social.
O terceiro argumento para revisão é o fato de que incentivos e subsídios aos combustíveis fósseis vão contra a tendência mundial pós-pandêmica e pós-petróleo. Uma das consequências da pandemia do novo coronavírus foi a queda na demanda de energia no início de 2020. Este ano também ficou marcado pelas políticas ambientais de diversos países, como a China, que definiu atingir a meta de neutralidade de carbono em 2060.
No final do documento, o Inesc sugere transparência para os incentivos à produção de combustíveis fósseis no Brasil e a criação de plano de revisão dos incentivos como propostas para repensar políticas governamentais e para desenvolver políticas públicas focadas no desenvolvimento sustentável.
"Cobrar a transparência e o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários é essencial para combater a corrupção e os privilégios concedidos a algumas empresas, diminuir a injustiça na cobrança de tributos, assegurar os recursos para a promoção de direitos e reduzir as desigualdades no Brasil’, explica Livi Gerbase, assessora política do Inesc.